Foto do aniversário da Frente Negra em 1935
A Frente Negra Brasileira foi uma associação que se converteu no primeiro e, até onde se tem notícia, único partido político negro brasileiro do século XX (outro partido com características similares foi criado em 2001, o PPPomar). Mais abaixo reproduzimos a ata da sessão do Tribunal Superior Eleitoral de 11/9/35, que concedeu o registro de partido à Frente. A publicação ocorreu no Boletim Eleitoral de 14/9/35.
Contemporaneamente há uma narrativa que tenta associar a Frente Negra a posições de extrema-direita. Embora posições extremas no espectro político, à direita ou à esquerda, sempre tenham sido rechaçadas pela entidade, o que é comprovado seja por meio de artigos em seu jornal ou por depoimentos, essa visão sobre a Frente deriva do posicionamento de seu primeiro presidente, Arlindo Veiga dos Santos, militante patrianovista, isto é, monarquista, cristão e conservador, que, no entanto, fazia questão de dissociar tal militância de sua atuação frentenegrina.
Somos levados a questionar por que a narrativa que tenta captar e congelar certa visão sobre a Frente não tem a mesma postura em relação a algumas figuras proeminentes do mundo acadêmico branco, as quais também num primeiro momento se manifestaram simpáticas a movimentos como o integralismo. Monteiro Lobato é um exemplo, e não só suas ações conservadoras são esquecidas, mas também suas posições racistas são constantemente sublimadas em favor da “importância de sua obra”.
De qualquer modo, a atuação político-partidária, recusada pela Frente num primeiro momento, mas considerada um caminho necessário depois, teve curta vida, terminando com o golpe de Getúlio Vargas em 1937. Essa curta trajetória como partido foi extremamente importante para mostrar as possibilidades de organização da população preta em plena década de 1930.
Márcio Barbosa
Estado de São Paulo
Consulta n. 1.581 — Classe 6a, do art. 30, do Reg. Int.
(Pedido de registro da “Frente Negra Brasileira”)
Acórdão
Vistos, relatados e examinados estes autos de requerimento de registro do partido político “Frente Negra Brasileira”, e
Considerando que, depois da exigência de fls. 10 v., feita pelo Tribunal Superior, para que a requerente provasse o modo legal de pessoa jurídica constituída, bem assim da constituição dos seus órgãos representativos, pois que as declarações de fl. 3. e documentos que as acompanhavam careciam de clareza e autenticidade, foram produzidos novos de fls. 12 usque 22, todos perfeitamente autenticados;
Considerando que, assim, preenchidas se acham as exigências dos arts. 167 e 168 do Código Eleitoral;
Considerando que a requerente está no gozo dos direitos de personalidade jurídica, nos termos da lei (art. 166), e já nos arts. 3°, princ., e 4° dos seus Estatutos, se revelasse a sua orientação política e os meios de que se servirá para alcançar os seus fins sociais ”dentro da ordem legal instituída no Brasil”, efetivando a sua ação política-social em sentido rigorosamente brasileiro;
Considerando o mais que dos autos consta:
Acordam os Juízes do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral em deferir afinal o pedido e mandar que se registre como partido político a associação “Frente Negra Brasileira”, com sede principal à rua da Liberdade n. 196, na cidade de São Paulo, capital do mesmo nome, com âmbito de ação partidária estendendo-se por todo o território nacional, e sendo seus representantes perante este Tribunal Justiniano Costa, João Cypriano de Souza e Francisco Lucrécio.
Façam-se as comunicações regimentais de acordo com os § 2° e 3° , do art. 168, do Código Eleitoral, e a publicação no Boletim Eleitoral.
Foi voto vencido o Sr. Desembargador José Linhares, opinando pela denegação do registro, em vista de não permitir a Constituição Federal que se faça distinção da ordem jurídica por motivo do raça.
Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, em 11 de setembro de 1935. — Hermenegildo de Barros, Presidente. — João Cabral, Relator.
Acréscimo.
Reproduzimos abaixo um interessante documentário da Cultne, incluindo pessoas importantes do movimento negro, algumas das quais não estão mais conosco. Vemos aqui, por exemplo, Milton Barbosa, Maria Lúcia, Neusa Maria, Amauri Mendes. No orum: Aristides Barbosa, Francisco Lucrécio, Hamilton Cardoso, Henrique Cunha, José Correia Leite, Teresa Santos.