(PUBLICADO NA REVISTA DA FBN)
A edição de diversas obras de autores afrodescendentes, que fazem parte do acervo da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), é apenas uma de uma série de ações que serão implementadas a partir de um acordo firmado ontem entre a FBN e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) do governo federal. O convênio foi assinado num momento marcante para o movimento negro brasileiro: o lançamento de uma antologia crítica que reúne autores afrodescendentes desde o século XVIII.
A proposta de cooperação entre a BN e a Seppir prevê ainda a implantação, em comunidades quilombolas, de cinco Pontos de Leitura chamados “Ancestralidade Africana no Brasil”. A ideia é que este seja o início de uma rede literária de valorização e resgate da memória dos moradores de comunidades tradicionais. A FBN vai doar cinco acervos temáticos aos pontos de leitura, compondo mais de 600 obras para cada povoado contemplado.
Os dois órgãos vão ainda lançar editais para estudos e pesquisas sobre homens e mulheres negros brasileiros. Dessa forma, as iniciativas pretendem – juntamente com a edição de obras de escritores negros – divulgar a longa produção de autores afrobrasileiros, que contarão ainda com mostras e envio de livros para bibliotecas e demais ações de incentivo à leitura. As iniciativas fazem parte da campanha “Igualdade racial é pra valer”, lançada pela Seppir para marcar o Ano Internacional dos Afrodescendentes, instituído pelas Nações Unidas.
Novas estratégias contra o racismo
“Há tempos trabalhamos para firmar esse acordo, e estamos ansiosos para pôr muitos planos em prática. Os pontos de leitura em comunidades quilombolas, por exemplo, é uma iniciativa inédita, que deve ser estendida e poderá propiciar a troca de informações entre os descendentes e a preservação da tradição desses brasileiros”, disse Elisa Machado, coordenadora geral do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas da Fundação Biblioteca Nacional.
Anhamona Brito, secretária de Políticas de Ações Afirmativas da Seppir, destacou que tais iniciativas fazem parte de novas estratégias para combater o preconceito.
“A atenção política da BN foi de primeira hora. Juntos, estamos pensando em novos caminhos de enfrentamento ao racismo. A produção intelectual de negros e negras precisa ter visibilidade, com o fortalecimento de nossa autoestima. Se, em 2012, conseguirmos que essa produção chegue aos mais variados espaços, teremos saído muito vitoriosos”, comentou Anhamona.
Já a secretária de Comunidades Tradicionais da Seppir, Ivonete Carvalho, ressaltou o “momento histórico do Rio”.
“A presença negra aqui hoje é de uma riqueza imensa, por reunir grandes lideranças que há décadas combatem junto ao movimento negro. Estamos aqui unidos para tirar da invisibilidade grande parcela da população negra que produz, e muito, neste país. Muitas vezes o sistema neoliberal nos impõe uma cultura e nossas raízes acabam se extinguindo, mas iniciativas como essas ajudam a preservar nossa matriz nos quilombos e terreiros do Brasil”
A solenidade ontem na Biblioteca Nacional contou com a presença de mais de 20 autores que participaram do livro. Houve ainda uma homenagem póstuma ao ativista, professor, escritor e poeta Abdias Nascimento, autor de um dos textos da antologia “Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica”, organizada por Eduardo de Assis Duarte e Maria Nazareth Soares Fonseca.
“Nos dedicamos a este projeto durante 10 anos, período de muita luta, reuniões, discussões, viagens e, sobretudo, muito garimpo de livros raros. Os jovens que, até então, não sabiam onde encontrar obras referência de autores negros, agora têm esta obra à disposição. Pretendemos não só resgatar autores negros esquecidos pelos manuais de história literária, mas também fazer uma releitura de escritores que, muitas vezes, foram interpretados de forma alheia às discussões étnicas”, exaltou Eduardo.
Com quatro volumes, a obra é composta por ensaios, referências biográficas e bibliográficas sobre 100 autores negros do Brasil Colônia até os dias atuais. Literatura e Afrodescendência, que foi desenvolvida com auxílio de 61 pesquisadores de 21 universidades brasileiras e seis estrangeiras, propõe uma reflexão acadêmica sobre o tema.