Um bom livro marca nossas vidas. Não é à toa que, em épocas remotas, a leitura era privilégio de sacerdotes. Há algo mágico numa boa leitura. Mágico no sentido de que escapa à nossa compreensão racional, imediata, e fala com camadas mais profundas de nosso ser, camadas mais acessíveis pela intuição e pela emoção.
Muito se fala a respeito dos benefícios da leitura em geral. Ela amplia nosso vocabulário, estimula a reflexão, aumenta nosso conhecimento a respeito do mundo e de nós mesmos.
No entanto, a leitura de bons livros pode fazer mais. Bons livros de ficção e poesia podem nos fazer viajar por cidades, países, épocas ou universos distantes enquanto estamos em nossa sala, numa biblioteca ou num vagão de metrô. Além disso, bons livros nos fazem companhia, deixamos de ser solitários à medida que conhecemos novos personagens e novas situações, à medida que nos identificamos com eles ou elas e torcemos para que consigam fazer o que se propuseram a fazer e sejam felizes. Emprestamos-lhes por algum tempo nossas expectativas e energia.
A questão é: um bom livro é só o que o cânone diz que é bom? São só os clássicos? É só o que consta na lista dos mais vendidos das principais revistas? Só o que passou pelo crivo da indústria cultural e dos seus intelectuais orgânicos destinados a chancelar e decidir o que devemos ler e como devemos nos sentir?
A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, lançada em 2016 pelo Instituto Pró-Livro, revela que de 2002 até 2015 aumentou o nível de escolaridade no Brasil, e de 2011 até 2015 aumentou o número de livros lidos pelos brasileiros. Pouco, é verdade (4 livros por ano em 2011 e 4,96 em 2015), mas já é algo. Mulheres leem mais que homens (59% x 52%). E, embora, a pesquisa não entre nesse aspecto, provavelmente a movimentação de escritores e ativistas negros e periféricos nesse campo deve ter contribuído para que mais pessoas tenham acesso à leitura e tomem gosto por ela.
Um outro dado interessante na pesquisa citada é que há uma pergunta sobre quem influenciou no gosto pela leitura. E a maioria respondeu que foi a mãe ou uma figura feminina com esse papel. Mais do que o pai ou os professores/professoras.
Um bom livro talvez seja aquele que nos comove, que nos faz sair de nosso lugar comum, de nossa zona de conforto, que nos faz virar as páginas, nos educa e nos entretém. É também aquele que mexe com nosso imaginário, que nos faz ver como as coisas poderiam ser, não só como elas são. Nesse sentido, as literaturas afro e periférica têm muito a acrescentar, especialmente num momento político de tantas incertezas e retrocessos.
E, a considerar os dados da pesquisa citada, o papel de mulheres negras e periféricas é fundamental não só na produção, mas também no ensino e na difusão dessa literatura.
Márcio Barbosa