A poesia parece que tem renascido nos últimos tempos. Mas ela sempre esteve presente em nossa cultura como tradução daquilo que não encontra vida por outros meios de expressão.
Desde os ancestrais griots africanos, passando pelos escribas egípcios e gregos até os dias de hoje a poesia fascina por sua ligação com as energias mais interiores do ser humano.
As pessoas certamente escrevem mais poesia. Mais que contos ou romances. Poesia parece mais fácil, basta uma folha, um guardanapo, um celular. Basta um banco de praça, uma mesa de bar, um assento de metrô ou ônibus. Mas é preciso tomar cuidado com essa facilidade. Fácil e simples são coisas diferentes.
Solano Trindade era simples sem ser fácil. A poesia não pode abrir mão do ritmo, da musicalidade, da harmonia, da inventividade, da surpresa.
Grande parte da responsabilidade pelo renascimento da poesia cabe aos saraus, especialmente periféricos. Mas é bom lembrar que esses saraus foram precedidos pelas rodas de poemas negras nos anos 80, 90, início dos 2000 e que na verdade duram até hoje.
Os saraus e rodas permitiram a leitura de poesia. Às vezes, quando é lida em voz alta, a poesia ganha a melodia que fica adormecida no papel. Mas é sempre importante pensar que, quando num livro, a poesia será lida sem o poeta por perto para ensinar ao leitor as entonações, as ênfases, as pausas.
Escrever boa poesia é uma arte que exige dedicação. Bastante leitura de outros poetas também ajuda.
Se a poesia parece que tem renascido nos últimos tempos, é que na verdade ela nunca morreu.
Vamos sim chamar as lembranças em maio, porque neste mês, no dia 13, no ano de 1881, nascia o também periférico escritor Lima Barreto. Teve uma atuação política e racial vanguardista para o século XIX. Por que chamar as lembranças de Lima? Passado cerca de um século e meio, as mesmas questões que o romancista abordava em suas obras, sobre a violência do racismo e as suas consequências devastadoras para um ser humano, parece que ainda estão impregnadas no íntimo daqueles que sofrem essa violência.
É verdade, temos que misturar todas as cores, estilos, pensamentos do bem, cortes de cabelos, todas as opções sexuais, tribos, mas devemos abolir as imposições que vêm de um só lado. Estamos sim na periferia da periferia, na periferia dos bairros chiques, na periferia das profissões, na periferia das oportunidades. Mas sabemos que no íntimo existem diferenças dentro das periferias. Todo mundo está misturado no mesmo espaço, porém, em muitos casos, em condições financeiras e com histórias de vida diferentes. Vamos sim chamar as lembranças do escritor e romancista Lima Barreto em maio.
Você pode encontrar uma reflexão sobre o Lima aqui.
Você pode também baixar a obra Diário Íntimo aqui.
13 de maio: a literatura afro tem em Lima Barreto um de seus precursores. Na verdade a tradição da literatura afro tem sido mais uma descoberta, como várias outras coisas nesse campo. A começar pela própria denominação, que tem sido uma descoberta constante. Uns preferem literatura afro, outros, literatura negra. Na verdade, os termos não se excluem. Afro tem a ver com a cultura, como na dança afro, os blocos afros, a religião afro-brasileira. É mais ancestralidade na fita. Negro tem um sentido mais político, como na denominação “movimento negro”, por exemplo. Enquanto afro remete à história, negro parece mais ligado à biologia, à ideia de raça.
A palavra “negro”, termo de origem espanhola e portuguesa para “preto” (a cor preta), na mente doentia ocidental durante muito tempo significou o mesmo que “escravo”. Ressignificada politicamente pelos movimentos, tornou-se categoria sociorracial. “Afro” ao que parece foi criado pelos negros americanos livres do século XIX. Já que o adjetivo mais correto para quem vive ou tem origem na África seria “africano”, afro nasce como um termo da diáspora. Uma “descoberta” também. Negro, preto ou afro? Sabe-se lá, a discussão é complexa e até um pouco metafísica. Mas não fútil. Nos EUA essa discussão semântica também acontece faz tempo, como se pode ver aqui no artigo do editor da Revista Ebony, Lerone Bennett, Jr., artigo da década de 60 que transcrevemos para o português (clique para ler).
Nomear também é criar o mundo e essa conversa vai longe. Mas é lógico que quanto mais opções no vocabulário, melhor. E voltando ao Lima Barreto: 13 de maio também é dia dele!
Dia 12 acontece a já tradicional marcha norturna promovida pelo Instituto do Negro Padre Batista. Na verdade neste ano ele começa um pouco mais cedo do que em anos anteriores, quando a marcha fazia seu percurso noturno e terminava na Igreja Nossa Senhora do Rosário. Começando um pouco mais cedo, às 15h, ela possibilitará que as pessoas que estiverem no centro nesse horário também participem (clique na imagem para ampliar).
A escritora Carolina de Jesus, embora seja conhecida pela sua prosa, também escrevia poesias e compunha canções. Mas um lado pouco conhecido de Carolina é seu lado de cantora. Ela gravou um álbum em 1961 em que canta sambas, marchinhas, valsa, baiões, compostos por ela própria. São músicas bem humoradas, que às vezes se ressentem de uma crítica à linguagem (como nos versos “a coisa vai ficar preta” ou “te mandaram uma macumba”), mas quase sempre são deliciosas de se ouvir. Você pode checar aqui na rádio Batuta: http://www.radiobatuta.com.br/Episodes/view/563
Resgatamos algumas imagens do lançamento do livro Cadernos Negros volume 32, de contos, que ocorreu na Uninove, em 2009. Com participação de vários autores, dentre eles Cristiane Sobral e Débora Almeida, e do grupo Umojá.
A história da escritora Carolina de Jesus é bem conhecida e é emblemática. Nasceu em 14 de março de 1914 na cidade de Sacramento, MG, e veio para São Paulo ainda jovem para morar na favela do Canindé. O hábito de anotar em diários a vida na favela levou-a a ser mundialmente conhecida depois que o jornalista Audálio Dantas reuniu seus escritos e conseguiu que eles fossem publicados. O livro Quarto de Despejo foi lançado em 1960, vendeu dez mil exemplares em três dias e depois tornou-se best seller mundial. Embora Quarto de Despejo seja sua obra mais conhecida, Carolina escreveu mais quatro livros, dos quais Diário de Bitita é um dos mais impressionantes, pois traz um testemunho dramático e emocionante da situação da população negra no período pós-abolição. Carolina, que morreu em 1977, talvez tenha sido nossa primeira escritora “periférica”.
A celebração do centenário de Carolina em 2014 pode proporcionar oportunidade para repensarmos algumas coisas, como a situação das mulheres negras no mundo contemporâneo, as possibilidades e os desafios que se colocam para a consolidação de uma literatura afro-brasileira e a maneira como se dá a inserção da população negra no espaço urbano, dentre outros temas.
Vídeos sobre Carolina: